Entrámos no recinto resguardado do nosso pátio. Rodeado de alvas fachadas e muros, pavimentado com lousas cinzentas, ostentava no meio um limoeiro circundado de moitas de loendros. Farid estava encostado ao alpendre, vestido com um camisão comprido, descalço, passando as mãos pelos negros anéis do seu cavelo que lhe pendia para os ombros. A mim, sempre me parecera ter sido dotado com todos os atributos de um guerreiro poeta dos desertos da Arábia - delgado, musculoso, de agudos olhos verdes de falcão, uma pele suave morena e uma inteligência ágil e imprevisível. A penugem que sempre lhe cobria o rosto fazia-o parecer ensonado mas atraente, e tanto homens como mulheres eram frequentemente cativados pela sua beleza escura. Fez-me um aceno de saudação com um gesto das mãos vigorosas habituadas a tecer tapetes. Apesar de ser surdo-mudo de nascença, nunca tinha sentido a mínima dificuldade em comunicar deste modo comigo; já de pequenos tínhamos inventado uma linguagem feita de gestos, talvez por termos nascido apenas com dois dias de intervalo e termos crescido juntos.
[excerto] "O Último Cabalista de Lisboa" de Richard Zimler
[imagem] "Chogan" de Mahmoud Farshchian